Sábado chuvoso. Eu e André descemos à Icaraí para grafitar. Liguei para Mac, estava dormindo. Encontrei com Felipe (ele assina Blunt). Íamos a São Francisco e o tema seria praia. Não gostei, acho que o tema poderia ser mais elaborado, mais político, mais relevante. Mesmo no contexto “praia” dava pra tirar um milhão de idéias, por exemplo, os assaltos constantes no bairro, ou o pesadelo do cinema Icaraí, que ninguém resolve, ou poderíamos mencionar o caso do bebê que foi abandonado na Rua Mário Joaquim Santana, em São Francisco, ou o polêmico Túnel Charitas-Cafubá, que divide opiniões, mas também não sai do papel desde 1980, quando começaram a falar nisso, ou poderíamos falar sobre o aumento da população de rua em Niterói, que está no ranking como a 6ª cidade com a maior população de rua, tendo mais de 500 moradores de rua, que vem de outros municípios. Por fim, mudamos a rota e resolvemos grafitar em Icaraí mesmo.
Nosso alvo foi a Travessa Caio Martins, uma ruazinha pequena que nos faz lembrar que Niterói é uma cidade pequena e que um dia a gente pôde ver o pôr do sol sem ir à praia de Icaraí. A ruazinha onde morei desde os cinco anos de idade, e que ainda é uma rua sem prédios enormes, a não ser o prédio onde estávamos grafitando, mas a frente dele é para a Pereira da Silva. A rua onde o tio da Wanessa estacionava seu Alfa Romeu vinho, onde eu e Thais brincávamos, onde meu tio e seus amigos conversavam até o dia amanhecer com a porta da casa aberta. Tanta lembrança: Joplin, minha gata, que foi lançada dentro do quarto do meu tio para ser adotada; as partidas de tranca com Mara e minha avó, campeãs absolutas. Optamos por tema nenhum, afinal, não temos vergonha ser felizes graffiteiros, e a vida é bonita, é bonita e é bonita. André filmou e fotografou.
O pessoal da rua adorou, uma senhora bem idosa veio nos agradecer por embelezar a rua, outro rapaz veio bater papo com a gente, uma criança na janela chamou a mãe e falou algo que não escutamos, mas a mãe disse: “não, eles são artistas, estão fazendo um desenho bonito, um trabalho artístico”. Paulinho, morador, perguntou porque a gente não pintou o outro lado também, nós respondemos que havia um carro ali. “Mas é da Márcia, era só pedir pra ela tirar’, disse ele, mas a gente não sabia disso, nos arredores do Estádio Caio Martins, sempre tem muitos carros estacionados e nem sempre de moradores. No prédio da minha mãe, não há estacionamento, logo, não há vagas para sair e você tem que contornar a rua pra sair da calçada. Se alguém passar mal e precisar ser removido de maca, não pode, porque os carros estacionam tão colados uns nos outros que não há espaço.
Finalizamos o graffiti, ficou bacana, inocente, quase naif, mas bacana. Deu um efeito legal na rua. Mas quando a gente acostuma com realismo, nada é bom o suficiente, e fazer um desenho com esta simplicidade é saber que no final, você não vai gostar, por melhor que ele fique. Ficou bom, mas não parecia meu. Na verdade, a parte que mais gostei foi o cabelo da mulher, onde não pintei, área recessiva no muro. Não pintei porque era alto pra mim e eu não alcancei. Podia pegar um banquinho, mas achei bom terminar por ali. Por que eu tenho que fazer o cabelo do topo da cabeça da mulher? Ele está ali, dá pra ver, só não está desenhado. Eu tenho feito isso nos quadros e aconteceu sem querer nesse graffiti, mas deixei assim. André ficou rindo, porque sou nanica e não alcanço a parede. O stencil que uso pra fazer o “L” está péssimo, o bico do spray estava nas últimas, mas consegui assinar. Combinamos de voltar no meio da semana para terminar. O persona de Felipe ficou pequeno em relação ao meu, e ele vai fazer mais um pra equilibrar o espaço. Ele está progredindo no traço. Enquanto isso, eu preparo um desenho pra fazer do outro lado.
Olhamos para o alto e vimos Mac na janela do seu apartamento, na Presidente Backer. A parte de trás do edifício dele dava para ver a gente na Travessa. Era 13:00h, e Felipe foi lá, acho que ainda saíram pra grafitar. Eu não. Entrei e fui almoçar com minha mãe. O frio e os chuviscos me desanimaram, mesmo porque Icaraí enche, e se começasse a chover, talvez eu precisasse de um barquinho.
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