Coluna da Lya Alves: Incêndio na cidade


A sirene toca, inconfundível. Bombeiros em ação. Na mente atormentada do morador niteroiense pós-tragédia-no-bumba, o som da sirene dos bombeiros lembra tragédia.

Um tumulto de pessoas falando alto, indignadas. Os bombeiros não tinham oque fazer, porém. Perda total? Não. Na verdade, não havia incêndio. O fogo era de uma fogueirinha acesa por um pai de família, talvez para esquentar o jantar, ou espantar os mosquitos, ou se aquecer do frio.
Mas ele não morava num apartamento decorado por um dos grandes arquitetos de Niterói, ou num flat em Camboinhas, ou numa casa decorada com peças de griffe, ele mora num prédio que está prestes a ser demolido, faz parte do que se chama população de rua, e por isso, os moradores do edifício ao lado se sentiam ameaçados.

A família veio de Tenente Jardim, sua casa desmoronou antes do episódio do Bumba. Se alojaram no Morro do Cavalão, mas saíram antes que acontecesse algo pior. De um lado, o casal e três crianças, esperando o desfecho da situação, do outro, uma pequena multidão indignada com a presença deles ali. Na realidade, chamaram os bombeiros porque não tinham acusação para chamar a polícia, mas foram preparando o caminho:um senhor com seus cabelos aristocraticamente brancos os acusou de usar drogas ali, outra senhora, também aristocrática, parecia uma profetiza dizendo que eles iam começar a roubar em breve. Gostaria de ter perguntado a esta senhora: roubar oque? A compaixão que a senhora não tem? Ou o amor ao próximo que a senhora desconhece? Ah, sim, a piedade que a senhora exerce na Igreja da Porciúncula aos domingos, atirando restos aos mendigos. Porque ali pode. Há lugar para a mendicância. Mas a Presidente Backer não é lugar para desabrigados. Mas eu não estava lá na hora para fazer estas perguntas.

Não havia incêndio algum, a não ser o social. Por outro lado, a vinda dos bombeiros foi útil porque a fogueira estava próxima do colchão, afinal, era o “aquecedor” da família. Os bombeiros puderam alertar sobre o perigo.

Enquanto a multidão ariana se preparava para linchar a família desamparada, uma mulher se levantou, encarou os facistas de Icaraí, se pondo ao lado dos oprimidos. Era minha mãe, que antes de levar água no seu doce biquinho de beija-flor, precisava rugir como uma leoa. Coube a ela o papel de explicar que os desabrigados  não usavam drogas e nem roubavam. Os bombeiros sabiam disso, eles viram isso no rosto dos moradores desabrigados, rosto que eles conheceram muito bem nos últimos tempos, às centenas. Os profissionais do fogo foram embora, os vizinhos carniceiros também. A família ficou, pelo menos até o prédio ser demolido, ou até alguém fazer uma nova denúncia mentirosa.

Até lá, estamos tentando apagar o fogo levando um fogão de duas bocas, um botijão de gás, roupas, cobertores e abraços amigos de quem não condena, mas ajuda.


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