Quem acompanha meu trabalho com graffiti percebe que não faço distinção entre minha vida religiosa e minha arte, portanto, quer gostem ou não, meu trabalho é arte religiosa. Apesar disso, meu trabalho está longe de ser arte sacra. Vamos entender um pouco a diferença entre arte sacra e arte religiosa:
"Arte religiosa e arte sacra não têm o mesmo significado, pois uma obra pode ser produzida sob a inspiração divina, mas não ser voltada para o culto. Portanto, esta tem um destino concreto, o de servir a rituais litúrgicos. Jacques Maritain destaca a distinção, dentro da esfera da arte, da produção cristã e, inserida nesta, a atuação da arte sacra, através de elementos espirituais que compõem sua essência.
A arte sacra popular não apresenta formas lapidadas, enquanto a arte sacra clássica revela artistas com um talento sublime. A arte religiosa é um reflexo da essência humana, um processo interno do artista, sua imagem do amor divino. Ela é, assim, subordinada à religião institucional. A arte sacra está, portanto, impregnada dessas características, mas diferencia-se por ser imanente ao culto sagrado. Sua intenção é despertar nos fiéis emoções puras e singelas, revelar-lhes a visão do Paraíso ainda na Terra, um lampejo da perfeição. Mas estas obras, distintas das cristãs em geral, não devem chocar os freqüentadores das Igrejas nas quais estão expostas, nem ferir suscetibilidades, muito menos criar controvérsias ou questionar dogmas e conceitos religiosos. Seus fins são estritamente pragmáticos.(...)
A Igreja sempre abrigou em seu núcleo as manifestações artísticas, mas na esfera privada dos seus rituais ela não admite princípios profanos, assim ela cria rigorosos critérios de seleção e procura discernir o que se ajusta à fé cristã e às suas tradições. Contra a iconoclastia calvinista, o Concílio de Trento destaca a importância de algumas imagens, como as de Cristo, da Virgem Maria e dos santos, sem incidir em atitudes abusivas." (fonte: http://www.infoescola.com/artes/arte-sacra/)
A arte surge em contexto religioso, por exemplo, a estátua de Vênus um dia foi objeto de culto. O culto foi a expressão original da integração da obra de arte no seu contexto tradicional. As obras de arte mais antingas surgiram para rituais. O valor singular que uma obra de arte autêntica pode atingir tem o seu fundamento no ritual em que adquiriu o seu valor de uso original e primário:
"O culto profano da beleza, que surgiu na Renascença para se manter em vigor durante três séculos, permite reconhecer com nitidez aqueles fundamentos, ao expirar quando sofre os seus primeiros abalos significativos. Quando, com o aparecimento da fotografia, o primeiro meio de reprodução verdadeiramente revolucionário (que coincide com o alvorecer do socialismo), a arte sente a proximidade da crise que, cem anos mais tarde, se tinha tomado inequívoca, reagiu com a doutrina da "l'art pour l’art", que é uma teologia da arte. Dela surgiu precisamente uma teologia negativa na forma de uma arte "pura" que recusa, não só qualquer função social da arte, como também toda a finalidade através de uma determinação concreta."
A arte religiosa, embora dogmática, não fica presa a função de "objeto de culto", ou "objeto da liturgia", mas é uma expressão da espiritualidade do artista, e isso envolve questionamentos e controvérsias. Mas a parte que mais gosto é a liberdade de trânsito entre dogmas. O sagrado tem lugar junto ao profano, o divino tem seu lugar junto à carne viva. Estes contrastes aparecem porque são simplesmente a expressão do conflito entre carne e espírito. Não é o fato de estar dentro ou fora do templo que torna a arte religiosa sacra. A arte religiosa pode ser sacra, mas não tem a intenção de ser objeto de culto.
O ponto-chave, é que a arte sacra, quando apresenta, por exemplo, o rosto do Cristo tem a força de um panfletinho reproduzido em larga escala, e é tão descartável quanto, uma vez que não retrata a experiência pessoal do artista. Uma vez que alguém se torna usuário daquela obra, ou recorre a ela em momentos de emergência, ela perde algo fundamental, que é a vida. A arte sacra perde um conceito fundamental do Cristianismo que é "a encarnação". Cristo se fez carne. O Cristo da arte sacra não é um Deus encarnado, mas perdeu totalmente sua identidade humana. Olhando a arte sacra, nos resta pensar que Nietzsche estava certo: Deus está morto. Pelo menos na arte sacra, onde a experiência do sagrado não vai além de sentimentos e emoções, onde a onipresença divina fica encarcerada dentro do templo e a humanidade de Cristo fica restrita a seu sofrimento. Os profetas do Antigo Testamento entendiam que precisavam ser a voz do povo, a voz do que clama no deserto; apóstolos do Novo Testamento entenderam que precisavam ser homens do seu tempo, mas os artistas hoje exprimem uma religiosidade morta através de uma arte morta. O próprio conceito de Novo Testamento é um conceito morto, pois uma tradução melhor para " Kaine Diatheke" seria Nova Aliança, que aponta para a novidade de vida, e não Novo Testamento, que aponta para um deus morto.
Diante dessa não tão breve introdução, vamos às ilustrações. Uma imagem recorrente em meu trabalho são as nuvens, que chamo de "nuvens de glória". Apareceram pela primeira vez na exposição "Alma Brasileira", em telas e depois foram para os muros no graffiti. A nuvem de glória representa a presença de Deus, que aparece a Moisés no deserto. A presença de uma nuvem de dia e de uma coluna de fogo à noite protegia os israelitas dos perigos do deserto.
Lya Alves
Lya Alves
2 comentários:
Lya, parou de escrever?
Estou sentindo falta!
Abs, artista plástico Quim Acantara
http://quim.com.br/
Verdade, Quim, tô sem tempo.
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